quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

EXCERTO DO CAPÍTULO 6

O dia de amanhã promete ser atribulado com idas às Finanças, acertos finais de capa e o arranque (finalmente!) da impressão do livro. Caros e ansiosos leitores, falta pouco e já faltou mais. E para compensar o vosso apoio, aqui vai mais um excerto:
 
«João não queria, mas tinha de admitir: o dentista fizera um bom trabalho a arranjar-lhe os dentes. A dormência da anestesia, apesar de incómoda, estava prestes a dissipar-se.
Olhou para o relógio. Eram quase seis e um quarto da tarde. Tinha tempo de adiantar serviço.
Ligou o computador e tentou recordar-se do pequeno sonho que tivera lá na sala de operações. Talvez fosse de estar sob o efeito da anestesia. Talvez tivesse sido apenas uma inspiração efémera. Ou talvez não.
Acedeu ao programa de processamento de texto, abriu o ficheiro intitulado LIVRO e fechou os olhos. Durante os trinta minutos seguintes permaneceu imóvel, rígido como uma estátua. O único movimento que traía a sua imobilidade era o seu respirar lento e arrastado. Ainda com os olhos fechados, colocou as mãos sobre o teclado e escreveu por tópicos:
Assassino
Escritor
Livro
Contrato
Empenho
Namorada
Paixão
Traição
Poder
Morte
Abriu os olhos e leu o que escrevera. Os dez pontos essenciais da sua história. Agora só tinha de encontrar uma maneira de os interligar.
Olhou para a miniatura da Torre Eiffel em cima da televisão, escreveu l’amour sont trois jours, mas apagou a frase logo de seguida. Não gostava dela. Não por questões linguísticas; simplesmente não se sentia talhado para escrever romances cor-de-rosa. Fosse em que língua fosse.
E de que outra cor poderiam ter os romances? Azuis? O azul era e é a cor da melancolia e os romances, embora pudessem ter um pouco de melancolia ao longo da história, terminavam sempre com o final feliz, o happy ending, por assim dizer.
A sua história poderia ou não ter um final feliz mas, uma coisa sabia: de certeza que não seria melancólica. o azul e o cor-de-rosa não seriam de maneira alguma as cores que ele usaria para classificar o seu estilo de escrita.
Talvez o cinzento fosse a escolha mais lógica, o meio-termo entre o branco e o negro, a cor daqueles que por trás de uma fachada de bondade e ternura escondem um lado perverso e vil. E o vermelho. Afinal, um livro sobre um assassino profissional teria de ser um livro com bastante sangue. Mas não sangue gratuito. Sangue. q.b, acompanhado por mortes realizadas com estilo e perícia e gestos mecanicamente executados.
Quase como beber café. Café ou algo com mais estilo.
Algo como... um cappuccino.
Um cappuccino vermelho.
Encontrara o título por que tanto procurava. Escreveu-o no início da página. Em itálico – um cappuccino vermelho.
Este era o princípio do seu processo criativo. A partir daí seria tudo mais fácil. Era-lhe sempre mais fácil escrever uma história quando tinha o título. O título era o que continha todo o fio condutor da acção.
A narrativa encerrava-se naquelas poucas palavras, tornando-se um corredor através do qual a sua mente de escritor podia vaguear, abrindo uma porta aqui e ali conforme a necessidade se fizesse sentir. Uma vez encontrado o título era só percorrer esse corredor e abrir a porta ao fundo.
E a história terminaria.»
Um Cappuccino Vermelho (excerto do Capítulo 6)

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