quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

CRIAÇÃO

Previamente publicado no meu outro blogue Protuberância:

Os últimos tempos têm-se revelado atribulados, embora muito compensadores. Quem me conhece sabe que não sou um praticante regular de exercício físico. Tirando uma caminhada ou outra que faço com prazer (seja por estar num sítio novo, seja por não querer esperar que o autocarro chegue), não desempenho muitos esforços físicos. É certo que não me limito só às caminhadas, mas como é suposto este blogue não ter conteúdos susceptíveis de ferir sensibilidades, limitemos-nos a considerar essa actividade que é andar a pé. 
 Tenho feito longos passeios com a minha cara-metade um pouco por todo o lado e, no regresso a casa, aquilo de que me apercebo com mais evidência é o fervilhar de ideias que povoam a minha mente. Não pretendo dizer com isto que é o exercício físico - seja ele qual for - que origina essas ideias. Na minha opinião elas estão lá sempre, são possibilidades de histórias e de temas que surgem da infinidade de combinações possíveis entre tudo aquilo que vemos e ouvimos. O exercício físico limita-se a pegar em alguns desses ingredientes e combiná-los numa fórmula que se espera nova.
A prática é o melhor professor e tenho aprendido muito nos últimos tempos sobre o meu processo criativo. Continuo a ter as minhas falhas, mas é impossível não as ter. Escrever não é fazer contas. Por mais que leia sobre construção de personagens ou sobre estrutura ou sobre diálogo, por muito que aquilo que eu escreva cumpra todas as regras duma boa história, por muito que seja uma boa história, a verdade é que o leitor poderá discordar. Sobre o meu processo criativo propriamente dito, aprendi que... basta uma imagem. É tudo o que preciso para começar.
No próximo mês de Fevereiro irei publicar o meu primeiro romance: Um Cappuccino Vermelho. A história deste livro, perdão, a história por detrás deste livro, começou com uma miúda com quem eu me cruzei no Metro. O aspecto dela e a sua postura combinaram-se com o que ia na minha mente e as rodas começaram a trabalhar. Neste caso, como eu já andava à procura duma ideia, ela limitou-se a ser a catalisadora. Com o livro seguinte - A Imagem - o processo foi muito mais cru e envolveu uma caminhada.
Ao fazer um passeio habitual, olhei para o muro branco duma propriedade privada, um muro extenso e alto, e pensei como seria se surgisse ali uma imagem do nada? E se essa imagem só pudesse ser vista por uma pessoa? E se essa imagem ganhasse vida? E quem seria essa pessoa? Porque razão é que a imagem apareceria somente para ela? De onde vinha a imagem?
A escrita de Um Cappuccino Vermelho tem a marca clara duma primeira obra e eu percebo isso não tanto na história, mas no modo como a história surgiu. Lembro-me o quão difícil era continuar a escrever depois da frustração que havia sido o dia anterior. Estava a dar os meus primeiros passos na escrita a sério e fartei-me de cair. Felizmente levantei-me e continuei a andar.
Sei que cresci dum livro para o outro, mas era impossível isso não acontecer. Afinal, cerca de sete anos separam Um Cappuccino Vermelho de A Imagem. E o tempo tornou-se um grande mestre. Estas duas histórias, apesar de ligadas tematica e narrativamente, foram desencadeadas por processos criativos radicalmente diferentes. Aquando do primeiro livro, eu andava à procura de ideias e quando esta surgiu o processo de escrita foi árduo, mas compensador no fim; já no segundo, andava tão ocupado com tanta coisa que nem pensava sequer em pensar em escrever um livro. Acontece que a criatividade não se importa com a falta de tempo. As ideias aparecem quando têm de aparecer, tenhamos nós tempo para as desenvolver ou não.
Eu não tinha tempo, mas estava curioso. Queria saber mais sobre A Imagem, sobre essa história que tomava prioridade sobre tudo o resto com que eu me deveria preocupar. Não tinha tempo, mas arranjei-o (se tal coisa é possível) porque queria saber onde é que a história ia. Tal como numa caminhada, foi um processo longo, embora não exaustivo. Ao contrário de Um Cappuccino Vermelho, em que eu tinha uma ideia rudimentar do que seria o final da história, a caminhada, perdão, escrita de A Imagem fez-se sem objectivo final. Assim como não sabia de onde a ideia surgia, também desconhecia para onde se dirigia. O mesmo acontece quando se faz uma caminhada: saber onde vamos terminar não é tão estimulante quanto partir rumo ao desconhecido.

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